quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A dignidade da ilha


O Presidente dos Estados Unidos assumiu que falhou a estratégia de mais de 50 anos a tentar isolar Cuba e o regime político instaurado com a revolução de Che e Fidel. Este é o ponto. E assumir esta realidade é reconhecer que Cuba resistiu. E esse é o outro ponto.

Tradicionalmente há uma notória dificuldade dos Estados Unidos em entenderem regiões do mundo e sociedades com passado milenar, mas o que mais perturbava no caso de Cuba era que a questão principal era a da dignidade da soberania de um Estado, e essa questão os Estados Unidos não deviam ter dificuldade em entender porque têm uma história ainda recente de luta pela sua própria soberania.

Depois dessa luta pela soberania surgiu a Doutrina Monroe (tudo o que acontecia na América era do interesse dos Estados Unidos), argumento para expulsar os colonialistas europeus. Aliás, presumo que tenha origem nessa teoria o facto de, ainda hoje, os norte-americanos se referirem aos estados Unidos da América como “a América”. Depois surgiu o apoio a várias ditaduras de má memória.

Em Cuba, a revolução que afastou o ditador Fulgêncio Batista também tocou interesses norte-americanos. Argumento para que os Estados Unidos não parassem de tentar interferir na situação interna de Cuba. Nunca conseguiram derrubar Fidel Castro, e posteriormente o irmão Raúl Castro.

O embargo económico atingiu Cuba e os cubanos. Fazer alguém passar fome e fazê-lo acreditar que a culpa é de quem governa o país é estratégia antiga, mas nem isso resultou. Havia, pois claro, gente descontente. Claro que foram reprimidos e de forma –dizem alguns relatos – nada respeitadora dos direitos humanos. Mas havia um desígnio superior: a dignidade de quem não vende a consciência apenas para ter mais uns dólares no bolso. É uma questão de opção, certamente pouco aceitável em sociedades que se sentam horas frente à televisão a ver os reality shows e que depois votam em partidos de direita ao mesmo tempo que reclamam políticas de esquerda.
Cuba optou pela dignidade, sem nunca aceitar ser tratada como parceiro menor numa relação que deve ser entre iguais. É assim que os Estados se devem relacionar: iguais na grandeza da sua soberania e autodeterminação.

Agora, entre iguais, entre dois estados soberanos, com discursos apaziguadores em simultâneo, os dois presidentes deram o passo que Cuba precisa (qual era afinal o crime de Cuba para uma punição assim?) e que os Estados Unidos já não tinham forma de evitar.
Era insustentável para a imagem dos Estados Unidos ter uma Assembleia Geral da ONU a votar de forma esmagadora o fim do embargo a Cuba. O Mundo inteiro contra os Estados Unidos, num fórum em que apenas Israel votou ao lado dos estados Unidos e em que se abstiveram apenas três Estados que são protectorados dos Estados Unidos (Ilhas Marshall, República de Palau e Estados Federados da Micronésia). Um Estado democrático com a dimensão dos Estados Unidos não precisa da força de um embargo para se afirmar perante Cuba.

No pensamento realista que domina a política internacional e, em particular, os Estados Unidos, a ética ocupa o espaço de uma formiga e por isso este desfecho terá sido, certamente, um murro no estômago.

Também para os cubanos que se acomodaram em Miami a sonhar com os tempos do ditador Fulgêncio, os próximos dias vão ser uma azia terrível.

Seja como for, o Mundo parece ter ficado um bocadinho melhor. As relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos são um muro que Obama e Castro começaram a destruir esta quinta-feira, cada um com a sua picareta. 

Esperemos agora que cada passo seja dado a seu tempo sendo que, como lembrou a embaixadora cubana em Portugal, o embargo ainda não terminou.

josé manuel rosendo

17 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Há 10 anos na Palestina...



“Arafat morreu”. A notícia, a meio da madrugada, via telefone, dada por um camarada da redacção em Lisboa, acordou-me num hotel em Jerusalém e tirou-me o sono. Há momentos que sabemos que nunca vamos esquecer.

Tinha saído de Lisboa com a imagem marcante de Yasser Arafat acenando aos palestinianos no momento em que entrava no helicóptero jordano que o retirava de uma Mukataa – quartel-general da Autoridade Palestiniana – onde viveu cercado durante cerca de 3 anos, sem nunca quebrar. Nesse dia, nessa despedida, Arafat não levava o tradicional lenço árabe mas sim um barrete de pelo que teimava em cair-lhe da cabeça. Li no olhar do velho líder que ele sabia, e eu pressenti, que jamais voltaria à Palestina. Não sei se Arafat chorou, mas de certeza que os palestinianos choram hoje a sua ausência. Os beijos atirados da porta do helicóptero foram a despedida de um pai que não podia abraçar todos os filhos de uma terra pela qual lutou sempre. Deixou a herança possível: a mesma luta.

Alguns dias depois, a Mukataa assistiu às lágrimas de um povo que se sentiu órfão. O funeral de Yasser Arafat foi um desses momentos em que quase dispensamos o bloco de notas tal a força das imagens e a forma como elas se instalam na nossa memória.

Era uma sexta-feira, talvez umas duas da tarde em Ramallah, o helicóptero jordano que transportava a urna de Arafat planou alguns minutos por cima da Mukataa para que milhares de palestinianos se afastassem e abrissem uma clareira onde pudesse aterrar. Depois, um ensurdecedor tiroteio e a urna transportada pelas mãos palestinianas até à sepultura que, dizia-se em Ramallah, tinha terra da Esplanada das Mesquitas. Israel não autorizou que Arafat tivesse sido sepultado em Jerusalém. A solução foi trazer a terra da cidade santa para receber o corpo do líder. Para os palestinianos Arafat está sepultado provisoriamente em Ramallah, porque há-de ser sepultado junto à Mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém. O “directo” para a rádio há-de estar gravado no arquivo da Antena 1. Nesse dia foi um telefone satélite que salvou o directo porque as redes de telemóvel estavam saturadas (ou bloqueadas?).

As fotos são desses dias, desses momentos, passados ao redor da Mukatta, e também lá dentro, no funeral, depois de um velho militar palestiniano ter aberto a porta a dois jornalistas portugueses ao lembrar-se que tinha sido português, o primeiro presidente – Mário Soares – a dormir em Gaza depois de Arafat lá se ter instalado quando regressou do exílio.

josé manuel rosendo
12 de Novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Isto só lá vai com uma valente zaragata, e à bofetada…


Ainda sem aquecer o lugar de Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker tem em mãos um escândalo de fuga ao fisco por parte de centenas de grandes empresas durante o tempo em que foi Primeiro-Ministro do Luxemburgo (1995-2013). O porta-voz veio dizer que Juncker está cool. Ou seja, tranquilo.

O caso que ameaça Juncker, foi divulgado esta quinta-feira por vários jornais europeus a partir de uma investigação jornalística internacional. Aborda os chamados “Acordos Fiscais Preliminares”: negociação entre o Governo e uma determinada empresa que estabelece a forma como essa empresa será taxada caso decida ter actividade fiscal no país.

As conclusões de um grupo de jornalistas de investigação - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação de 26 países – mostra como centenas de empresas multinacionais conseguiram, no Luxemburgo, através de esquemas financeiros e fiscais, pagar impostos extremamente baixos sobre os lucros que declaravam, nalguns casos inferiores a 1%. É assim que os “grandes” gestores apresentam grande lucros para gáudio dos accionistas e recebem prémios chorudos.

A referida investigação conta ainda que, no Luxemburgo de Juncker, foi encontrada uma morada (apenas uma…) onde estava a sede de 1.600 empresas. A investigação refere ainda a ajuda da consultora Price Waterhouse Coopers para chegar a decisões fiscais favoráveis a empresas.
O homem que esteve à frente do Governo do Luxemburgo enquanto tudo isto aconteceu, e que agora preside à Comissão Europeia, ainda há dois dias acusava os primeiros-ministros britânico e italiano de enganarem os seus cidadãos sobre as negociações orçamentais na União Europeia. É assim que estamos.

Mas se este é o retrato da forma como as coisas são feitas na União Europeia, Portugal não é diferente. Houve em Portugal um Estado de Direito que não era democrático. Temos agora um Estado de Direito dito democrático. Mas uma coisa é o direito e outra coisa é a justiça. Olhando para o nosso país e para as desigualdades crescentes, só uma grande ousadia e descaramento permite falar de justiça em Portugal. Então, coloca-se a pergunta: para que precisamos nós de um Estado de Direito democrático se ele não promove a justiça? Para que precisamos nós de um Estado de Direito democrático se apenas estão salvaguardadas as negociatas entre os grupos de interesses que se apoderaram do sistema e, apesar de alguma dança de cadeiras, permanecem sempre os mesmos ao leme? Falam-nos de austeridade e carregam-nos de impostos para depois eles, os das grandes multinacionais, escaparem ao fisco – legalmente, claro – e dividirem os despojos?

O Presidente do Parlamento Europeu disse, entre outras coisas, que o que mais o preocupa é que os procedimentos noticiados possam ser "legais em alguns Estados-membros" e que "a fraude e evasão fiscais sejam facilitadas".
De facto, justifica-se o receio de Martin Schultz quando o que é criminoso surge transformado em actividade legal. E é isso que também me assusta. E é por isso que, escândalo atrás de escândalo, ninguém vai preso.
Sugere Schultz que é urgente que os Estados-membros trabalhem connosco – Parlamento Europeu – para pôr fim a práticas sistemáticas de evasão fiscal na Europa. Partilho do alarme de Martin Shultz mas, infelizmente – porque até gosto de soluções pacíficas fruto do diálogo – não partilho da solução apontada.

Há uma elite que tomou conta dos Estados. Em nome da liberdade de um Mercado que verdadeiramente não existe, porque está viciado, esta elite vigarista suga-nos o tutano, esmifra-nos com impostos, e acaba a rir-se porque eleição após eleição mantém o controlo de tudo o que verdadeiramente lhe interessa.

Tenho para mim que isto só se resolve com uma valente zaragata e com esta gente corrida a murro, pontapé e o que mais for necessário. E depois que venham dizer que não é democrático…

josé manuel rosendo

6 de Novembro de 2014

sábado, 6 de setembro de 2014

Só a “chave” sunita pode ajudar a derrotar o “Estado Islâmico” no Iraque


A maior fonte de receita do “Estado Islâmico” (EI) é o petróleo dos poços situados na zona do proclamado Califado. Depois de acabar o dinheiro que estava nos cofres dos bancos e governos regionais, o Estado Islâmico vende petróleo. E se o EI vende, alguém compra e para ser vendido tem que chegar/passar por outros países. Mas já lá vamos.

Para já um aspecto que está a ser ignorado em debates feitos à pressa e perguntas/questões “coladas com cuspo”. Aspecto essencial da força do EI e do avanço fulgurante que, em Junho, surpreendeu quase toda a gente: o EI conta nas suas fileiras com um grande número de antigos militares de Saddam Husseín – sunitas – e é isso que lhe dá a capacidade militar estratégica para fazer o que fez. Isto acontece porque os sunitas foram excluídos do processo político pós-guerra (ou pelo menos dos benefícios que o poder proporciona…). Depois, razão maior, caminhando o Iraque para uma federação ou, quiçá, separação em estado independentes, as áreas sunitas são as únicas que não têm petróleo ou onde existe em pouca quantidade. E é precisamente por isso que algumas tribos sunitas apoiam o EI ou pelo menos não se opõem. Depois, então sim, entrará a questão de carácter religioso, que perderá força logo que os objectivos dos sunitas iraquianos sejam atingidos. E mesmo que não perca, mesmo que o Califado resista, é o poder dos sunitas que será determinante.

Quanto ao petróleo que está a alimentar o EI levanta muitas questões. Está a ser vendido a preços que variam entre 30/40 e 60 dólares o barril. No mercado oficial ronda os 100 dólares o barril. Os intermediários estão a ganhar muito dinheiro e os compradores também. E não é difícil adivinhar os percursos: só pode sair pela Síria, Jordânia ou Curdistão directamente para a Turquia. Dificilmente sairá pela Arábia Saudita ou pelo Irão. Esta sexta-feira à noite na RTP Informação, Michael Gulbenkian, apresentado como consultor em energia – e que surgiu numa reportagem da RTP no Iraque, por estes dias – disse que alguns países europeus e até Israel compraram petróleo do EI. Não sei se é mesmo assim, mas foi dito por alguém que está por dentro do negócio. 

Também foi dito no mesmo debate, por outro protagonista, que as fronteiras naquela zona do mundo são muito porosas, dando a entender que é difícil exercer controlo sobre esse tráfico. Discordo, sobretudo em relação à Turquia. Aliás, é das fronteiras mais controladas devido à questão curda. Do que me recordo bem é dessa mesma região de fronteira, do lado turco, que mais parecia um gigante cemitério de camiões cisterna aquando da invasão do Iraque em 2003. Eram camiões que faziam precisamente, já nessa altura, contrabando de petróleo, contornando assim as sanções internacionais que pouco mais permitiam ao Iraque do que a troca de “petróleo por alimentos”. E o governo turco sabia, ai não que não sabia. Tal como sabe agora, se é que o petróleo do EI passa por lá, e tal como sabem os governos dos países por onde passa esse petróleo porque tem que passar por algum lado.

Portanto, tenho para mim que para resolver o problema que o EI representa, é preciso – urgente – começar por resolver o problema dos sunitas no Iraque. Foi assim em 2006/2007 para estancar a guerra civil e é de novo a “chave” sunita que pode abrir a porta do sossego. Duvido que os bombardeamentos ao EI resolvam a situação. Se os habituais “danos colaterais” começarem a surgir, então ainda pior, será mais um elemento a favor do EI. Não adianta o “ocidente” ter razão ao qualificar os actos do EI como gestos de tempos medievais. Mais ataques “ocidentais” apenas poderão contribuir para aumentar a lista de acontecimentos de que os muçulmanos, e em particular os árabes, se consideram vítimas nas décadas mais recentes.

josé manuel rosendo
6 de Setembro de 2014


sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O que fazer com o "Estado Islâmico"?


CENSURA não!

Parece que está aberto um debate sobre o que fazer com as imagens mais violentas do Estado Islâmico. Parece apenas, porque de facto não há nada para debater. Até agora, por cá, o que tenho visto sobre esse “Estado Islâmico”, não me parece ser nada que não possa ser mostrado. A não ser que alguns pais queiram que um telejornal seja um momento equivalente a desenhos animados ou até que sejam assim uma espécie de telenovela, sempre com os mesmo protagnistas e que, mesmo depois de estarmos uma ou duas semanas afastados, quando retomamos temos aquela sensação de não termos perdido nada.

Algumas imagens divulgadas pelo “Estado Islâmico” arrepiam qualquer pessoa, mas talvez arrepiem ainda mais quem frequenta os locais onde os actos mostrados são praticados. Que ninguém duvide disso. Concordo em absoluto que mostrar o momento da decapitação de uma pessoa não acrescenta nada à informação. É preciso saber que ela foi decapitada (ou degolada? Não sei porque não vi…) mas os requintes de malvadez são dispensáveis. Mas ficamos por aí. O resto da informação eu quero e preciso de saber para poder saber com o que conto. Mas quero saber tudo e não quero saber apenas o que os malvados do “Estado Islâmico” fazem. Quero saber quem os armou, quem os financia e por que é que, surgiram assim do nada (eu sei que não surgiram do nada, mas faz de conta…).

Para sabermos isto é preciso recuar até quando e até onde? Até à invasão do Iraque em 2003? Até à recusa dos Estados Unidos em aceitarem que Bin Laden fosse julgado num Tribunal Internacional tal como o regime talibã no Afeganistão chegou a propor? É preciso irmos à Arábia Saudita tão amiga dos Estados Unidos? Será preciso contar melhor o que se está a passar na Síria? Por que é que os ataques à Faixa de Gaza provocaram tanto alarido – e bem – e os cerca de 200 mil mortos na Síria parece que não existem? Eu quero saber isto tudo, mas a melhor maneira de não me contarem isto é começar por não mostrar o que se esta a passar com o “Estado Islâmico”. Mas também não quero apenas conhecer os argumentos da retórica “ocidental” que está sempre a passar uma esponja sobre – perdoem-me a palavra, mas não encontro outra – a merda que tem feito no Médio Oriente. 

Como nota de curiosidade fiquem a saber que a poderosa BP anunciou (4 de Setembro) que melhorou o contrato com o governo de Bagdad para exploração do petróleo de Rumaila (sul do Iraque) até 2034 e a produção vai passar de 800 mil barris diários para 2,1 milhões diários. Há muitos interesses no Iraque e no Curdistão e alguns deles falam português.

E também teremos que dizer que Steven Sotloff (recentemente assassinado pelo “Estado Islâmico” depois de James Foley) era norte-americano mas também era cidadão israelita, tal como Daniel Pearl (assassinado em 2002 no Paquistão) que agora tem sido recordado. É que se não dissermos isso tudo não estamos a revelar contornos importantes do que se está a passar.

Por tudo isto não percebo por que é que assim repente há um assomo de puritanismo quase em simultâneo com uma atracção antiga e quase juvenil para utilizar expressões e palavras encantatórias. Não sei se essas palavras são utilizadas porque são descoberta recente ou porque ajudam a dar ares de entendido. Os textos jornalísticos – porque são esses que interessam para o caso – estão cheios dessas expressões e palavras: tudo é Jihadista… tudo é terrorista… tudo é guerra santa… tudo é radical. 

A facilidade com que estes conceitos são erradamente adoptados e utilizados indiscriminadamente leva a grandes confusões. Até por cá, tudo o que não é mainstream – do pensamento dominante – é facilmente atirado para o cesto do radicalismo. Uma medida que poderia evitar esta alucinante desinformação dos cidadãos e deformação dos raciocínios seria a existência de uma "balança" em cada redacção para que nós, jornalistas, pesássemos as palavras. Porque elas têm um significado e um peso no discurso, e não há sorriso, lábios pintados ou gravata de seda, que disfarce a ignorância ou a leviandade.

Mas a pior solução será ignorarmos o que está a acontecer no e com o “Estado Islâmico” utilizando a desculpa da violência das imagens ou resumirmos a informação dada à que nos chega dos centros de poder ocidentais. A função dos órgãos de comunicação deverá ser descodificar, explicar, debater, o que está a acontecer no Iraque e na Síria. E fazê-lo em relação à informação que chega do “Estado Islâmico” mas também em relação a toda a complexa realidade do Médio Oriente que habitualmente é tratada de “raspão” quando há atentados e muitos mortos. Fazer o contrário é negar a própria existência.

Apagar a luz da informação nunca deu bom resultado e basta lembrar como os aliados na II Guerra Mundial ignoraram o sofrimento judeu. No início da década de 40 do século passado, Jan Karski fazia parte da resistência polaca e estava em Londres com o governo no exílio. Entrou clandestinamente no gueto de Varsóvia para testemunhar a desgraça que por lá se vivia e poder contar aos Aliados o que se estava a passar: os nazis estavam a exterminar judeus. Alertou os aliados e chegou a ter um ecnontro com o Presidente Roosevelt nos Estados Unidos. Não acreditaram. Ou não quiseram saber. Não havia imagens, não havia redes sociais. Sabemos todos o que aconteceu por essa altura.
Neste nosso tempo não há desculpa para não sabermos, ainda por cima quando depende apenas de nós.

josé manuel rosendo
5 de Setembro de 2014


domingo, 10 de agosto de 2014

Um encontro com os Yazhidis


Já lá vão quase sete anos. Num momento em que a força aérea turca bombardeava as montanhas no Curdistão iraquiano tentando atingir os guerrilheiros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), perdi-me pelo labirinto das montanhas curdas e cruzei-me com os Yazhidis. Foi na aldeia de Bahadre – assim escreveram o nome da aldeia no meu caderno de notas. Fica mais ou menos entre Erbil e Dahuq, poucos quilómetros a norte de Mossul. Fui à procura do meu caderno de notas.

Confesso que antes do Verão de 2007 não me lembro de ter dado pela existência dos Yazhidis. Mas nesse verão, uma série de atentados que matou centenas de pessoas, muitas delas Yahzidis, atirou a comunidade para o topo da actualidade informativa. 

E assim em Novembro de 2007 estive com os Yazhidis nessa aldeia de Bahadre (uma designação que disseram ser associada à Virgem Maria e a Jesus Cristo) com cerca de – disse-me um líder da aldeia – 10 mil pessoas. Havia três escolas primárias e uma secundária, uma Igreja em ruínas nas montanhas. Os homens da aldeia não souberam dizer há quantos anos os Yahzidis andavam por ali. Mas de certeza já ali estavam há séculos. Recusam ser uma comunidade fechada e dizem ter boas relações com toda a gente, embora os atentados desse Verão revelassem grandes dissidências com os sunitas.

Os atentados terão tido origem nas desavenças provocadas depois da conversão de uma jovem Yahzidi ao Islão. Essa é uma regra de que a comunidade não abdica: quem nasce Yazhidi, é Yahzidi para toda a vida. Aliás, ninguém pode converter-se ao Yazhidismo: só se pode ser Yahzidi por nascimento. Quanto ao casamento, predomina a monogamia, embora os líderes das aldeias possam ter várias mulheres. E o casamento só pode ser concretizado entre membros da mesma aldeia. Quem desrespeita esta regra não é mais considerado Yazhidi e é expulso, o que significa que a sua alma está perdida para sempre.

A figura central dos Yahzidi é o Sheik Adi, cuja tumba está no templo de Lalish. Taus Malak é a figura venerada, que é representada por um Pavão e que é o líder dos outros arcanjos que Deus colocou no mundo quando o criou. As penas coloridas do pavão representam o poder sobre os doze meses do ano e os sete dias da semana. Cristãos e Muçulmanos referem-se frequentemente a Taus Malak como o Diabo ou Lúcifer e isso levou a que os Yazhidis fossem também considerados adoradores do Diabo. Palavra que aliás é proibida no léxico Yahzidi.

Têm também um livro sagrado – Mussa Farash – significa o “livro negro”, um livro que nunca ninguém viu e que dizem estar na Alemanha ou em Inglaterra. Apenas ouvem falar dele, não sabem se existe. Há ainda outro livro considerado sagrado – Jalua. São os livros que estabelecem as regras e as leis religiosas.

A comunidade é dividida numa espécie de castas ou classes (é provável que esta lista não seja exaustiva): o MIR (o líder, príncipe); os Sheiks; os distintos; os PIR (pregadores, “padres”) e os MERDI (as pessoas em geral, o povo). O MIR não vive em Bahadre mas, na vila, vive o número 2 da hierarquia Yazhidi: Kamiran Khairi Saeed, 52 anos. 



Diz que teve um palácio no norte de Bahadre, mas está em ruínas. Também chama palácio à casa onde vive e que serve de local de repouso aos visitantes. Insiste em escrever o meu nome em árabe no cartão que lhe entreguei. O que devia ser apenas uma conversa para saber um pouco dos Yazhidis, transformou-se numa refeição na sala nobre apenas com Kamiran Khair Saeed sentado à mesa com os convidados. Era “proibido” recusar o convite. E fui autorizado a visitar o Templo de Lalish.

O Templo de Lalish tem o túmulo do Sheik Adi, o grande inspirador dos Yahzidis. Há sempre soldados de guarda e um check-point que é preciso ultrapassar para chegar ao Templo. Ouve-se a água a correr. Há gente descalça que olha os visitantes.
Os sapatos ficam à porta e a entrada é feita com um passo largo para que os pés não toquem na soleira porque é beijada pelos membros da comunidade. No Templo, todo construído em pedra, está o túmulo, numa sala despida de qualquer ornamento. O túmulo está coberto de panos coloridos. Explicam-me que os crentes dão um nó no pano e colocam-no sobre o túmulo até que seja realizado o pedido que fizeram. Um apelo ao espírito do profeta. Depois, quando isso acontecer, regressam para desfazer o nó. 


Nos acessos à zona do túmulo há dezenas de ânforas que os Yahzidis dizem ter mais de 600 anos. É nessas ânforas que guardam o azeite puro para alimentar as 366 lamparinas que iluminam o templo permanentemente. De uma divisão para outra não se pode pisar os degraus de pedra: tal como a soleira, à entrada, são beijados pelos Yazhidis que vêm ao templo.
Há um canal de água subterrâneo. A água é um elemento considerado sagrado e está por todo o lado. É aqui que as crianças Yahzidis são baptizadas. O Templo de Lalish tem sete pilares interiores que representam os sete anjos. Os pilares também recebem panos coloridos e os respectivos pedidos.

A cada sexta-feira há uma refeição para quem aparecer. É uma tradição da comunidade. A cozinha é grande e a dimensão das panelas deixa perceber que alimentam muita gente. Mas é a quarta-feira que é considerado o dia sagrado.
Há uma cobra preta em relevo na lateral de uma das portas de acesso ao templo. É um animal sagrado. Os Yahzidis nunca as matam.

Não se sabe ao certo quantos Yahzidis existem, talvez 500 mil. Muitos milhares vivem na região de Mossul e também do outro lado da fronteira, na Síria. Perseguidos durante séculos, os Yahzidis viram o seu direito ao culto reconhecido na primeira Constituição iraquiana. Por essa altura tinham três deputados na Assembleia Nacional do Iraque (eleitos nas listas curdas).

josé manuel rosendo
10 de Agosto de 2014



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Currículo ou cadastro?


Que me perdoem alguns dos meus amigos, mas punhos de camisa branca (e respectivos botões…) a saírem da manga do casaco e gravata de seda, deixam-me cada vez mais desconfiado. Mais pés tivesse e mais de pé atrás ficaria sempre que me cruzo com uma destas personagens.

Estou habituado a pagar o preço de uma vida que tem as amizades que o percurso vai ditando, sem nenhum calculismo em relação a isso. Relaciono-me com quem muito bem entendo: de esquerda, de direita, bem e mal vestidos, indiferente à opção sexual, administradores ou membros das comissões de trabalhadores e dos sindicatos, religiosos, ateus e agnósticos, doutorados ou analfabetos. Não raramente, alguns daqueles com quem me relaciono não gostam que me me relacione com outros daqueles com quem também me relaciono. Pago esse preço com todo o gosto porque é o preço da minha Liberdade. E assim vai continuar a ser. Mas confesso que estou a começar (não de agora…) a ficar com um preconceito e que é cada vez maior a vontade de “passar para o outro lado da rua” quando se aproxima gente bem vestida. Eu sei que posso estar a ser muito injusto para gente que apenas gosta de andar “bem vestida” e sei que “vestir bem” pode ser apenas uma forma de estar e andar na vida, um prazer como qualquer outro (como rapar o cabelo, pintá-lo de verde ou usar uma argola na ponta do nariz) mas é, infelizmente, uma imagem de marca dos maiores vigaristas.

Já nem me refiro ao caso BES e à estratégia de comunicação utilizada até sabermos que há mesmo um buracão. Lembram-se certamente dos muitos analistas a referirem de início que o BES tinha “almofada” financeira que cobria uma eventual exposição aos produtos tóxicos de outras empresas Espírito Santo. Já nem me refiro à forma como o valor do buraco foi aumentando, mas atenuado na opinião pública com os analistas “almofadas” que nos acalmavam diariamente e em grandes doses. Já nem me refiro às declarações políticas, do governo e da (alguma dita) oposição. Já não me refiro a nada mas apenas à certeza de que andámos a ser enganados durante muito tempo.
Enganados desde logo por um homem que dizia que os portugueses preferiam o subsídio de desemprego a terem um trabalho de onde resultasse um salário. Um homem de belas camisas brancas e vistosas gravatas, com uns brilhantes óculos na ponta do nariz. Há lá imagem mais credível…

Mas não me venham dizer que foi apenas ele. Com ele estão certamente muitos que arrecadaram belas compensações por “metas atingidas” em negócios de vigaristas. Com ele estão certamente muitos que apenas olhavam os números, sem os questionar, apenas com a sofreguidão de saberem quanto lhes iria cair na conta. De reguladores não vale a pena falar, porque ser regulador para, invariavelmente, quando se descobre cada vigarice, vir dizer que o regulador não tem poderes de polícia, então mais vale não existirem.

Quanto a punhos de camisas brancas a saírem das mangas do casaco, a par das notícias sobre o BES, a notícia de que o nosso futuro comissário europeu, tem também ele no currículo, uma passagem pela Goldamn Sachs – um dos bancos da crise de 2008 – e foi um dos homens da linha da frente nas negociações com a troika e na defesa da ultra austeridade que nos foi imposta.

Também José Luís Arnaut vai para o Conselho Consultivo da Goldman Sachs. O Expresso contou que Arnaut teve um papel na venda dos CTT e que o Goldaman Sachs ficou com quase 5% do capital dos CTT. O Expresso contou também que a firma de advogados de Arnaut (CMS Rui Pena & Arnaut) representou os interesses de bancos como o Goldaman Sachs e o JPMorgan nas negociações dos swaps com o Estado português.

E temos Vítor Gaspar, antigo Ministro das Finanças, que foi para o FMI. Não é necessário falar do FMI. E o antigo Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, foi para a OCDE. E pronto, é isto que temos. 

E agora poderão perguntar: é crime o percurso destes homens e o que eles fizeram pelo caminho? E aí responderei: depende da Lei. É evidente que os actos praticados não configuram nenhum crime à luz da lei vigente.
Mas uma coisa é certa: alguns dos actos de muitos destes protagonistas com punhos de camisa branca a sair da manga do casaco e respectiva gravata de seda, o lugar deles é num qualquer cadastro e não num currículo que, à partida, é algo que abona a favor do seu sujeito. Como é evidente, depende do ponto de vista.

josé manuel rosendo
6 de Agosto de 2014


PS: também tenho camisas brancas e umas gravatitas velhas embora não sejam de seda.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Os Túneis da Faixa de Gaza…

Foto (Dezembro de 2006/jmr): Rafah (Faixa de Gaza), o pano esconde a entrada de um túnel com saída do lado egípcio

Esqueçamos por momentos que há um conflito entre israelitas e palestinianos.
Para aqueles que já atravessaram o Rio Tejo através da Ponte Vasco da Gama, a extensão da Faixa Gaza ao longo da costa do Mediterrâneo é o equivalente a uma viagem de ida e volta na Vasco da Gama: mais ou menos 36 quilómetros. Quanto à largura média do território são cerca de 10 quilómetros. A Faixa de Gaza tem 360 quilómetros quadrados e é nesse espaço que vivem (os números não são certos) entre 1 milhão e 800 mil a 2 milhões de pessoas. É o espaço com maior densidade populacional do mundo. A maioria são jovens.

Agora retomemos o conflito. 
Imaginemos um território assim do qual nenhum habitante pode sair a não ser com uma autorização de Israel em casos específicos (casos graves de saúde, por exemplo…) ou do Egipto (também em casos de necessidade de assistência médica ou quando o palestiniano em causa tem visto para um outro país); imaginemos um território assim em que todas as mercadorias – dos bens de primeira necessidade ao material de construção civil e aos combustíveis – apenas entram pelas fronteiras de Israel com a necessária autorização e controlo do Estado israelita; imaginemos um território assim em que os pescadores não podem afastar-se mais do que 5 ou 6 quilómetros da costa; imaginemos um território assim, pequeno, que até 2005 esteve ocupado com colonatos e ainda estava “partido” em três pedaços com barreiras que abriam e fechavam quando calhava e quando os militares israelitas assim decidiam; imaginemos um território assim em que, devido ao conflito e à ocupação, cerca de um milhão de pessoas têm estatuto de refugiados e sobrevivem graças ao apoio da UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos); imaginemos um território assim em que os antigos (e ainda chamados) campos de refugiados são na realidade zonas urbanas anárquicas e sem infraestruturas básicas; imaginemos um território assim em que a população jovem não tem uma pontinha de esperança de ter uma vida normal; imaginemos um território assim em que os pais não conseguem, por muito que queiram e tentem, dar essa esperança aos filhos; imaginemos um território assim e encontramos a terra fértil para o desespero, para o ódio, para a guerra.

Os túneis da Faixa de Gaza são uma espécie de tubo usado por mergulhadores como única forma de respirar. Não há outra possibilidade quando o espaço aéreo está vedado, quando o Mar não é caminho e quando as fronteiras terrestres têm um filtro por onde apenas os afortunados (paradoxalmente até a doença pode ser fortuna para os palestinianos…) conseguem passar. Perante um cenário destes que outra solução restava a não ser fazer um túnel, muitos túneis…?

É certo que os túneis que servem para “respirar” permitindo a entrada de bens, também servem para a entrada de armas e fazem igualmente parte da estratégia militar para atacar aquele que é considerado o opressor e ocupante. Isto pode ser considerado errado, mas antes do juízo de valor outras perguntas se colocam: o que fariam aqueles que acabaram de ler este texto se vivessem numa Faixa de Gaza que é um verdadeiro gueto, uma prisão ao ar livre? Limitavam-se a viver com a desesperança sujeitando-se ao controlo de um outro Estado ou tentavam furar o bloqueio e lutavam pela liberdade? 

Este texto não é uma tomada de posição em relação ao conflito, é apenas uma tentativa de escapar à espuma dos dias, à guerra da desinformação, e abordar aquela que é a verdadeira questão. O jornal Público de 28 de Julho de 2014, cita Martin van Creveld, historiador militar israelita num comentário feito na Economist: “Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as casas de Gaza, e debaixo delas (…) e, mesmo assim, não iria resultar”. 

Não é fácil para um europeu/ocidental interpretar o que está a acontecer na Faixa de Gaza. Mais difícil ainda perante o caudal de desinformação e leituras apressadas de comentadores engajados. Mas Martin van Creveld tem uma noção muito concreta da realidade.

28 de Julho de 2014

josé manuel rosendo

terça-feira, 22 de julho de 2014

Gaza: vai haver um cheque para lavar a má consciência…



As fotos são da Faixa de Gaza em Janeiro de 2009.

Não sei quantos mortos e estropiados ainda faltam mas, mais tarde ou mais cedo, vai terminar o que está a acontecer – abstenho-me de adjectivar – na Faixa de Gaza. E vai terminar demasiado tarde. Mesmo assim, depois de terminar, tudo vai continuar na mesma.

A atitude politicamente correcta, que dá muitos likes nas redes sociais, é dizer que há maus e bons dos dois lados, que uma vida que se perde é sempre uma vida e nada há mais importante do que isso, que há culpados dos dois lados. Essa é uma atitude compreensível para quem é um pacifista genuíno e está disposto a morrer sem levantar um dedo se alguma vez na vida sofrer uma agressão violenta. Duvido que muitos dos que gostam de ser politicamente correctos tivessem essa atitude perante uma agressão. Essa é também a atitude que nos leva a enterrar a cabeça na areia para não enfrentarmos a realidade e para não fazermos sequer um esforço de modo a entender o conflito. Sublinho que escrevi ENTENDER, não escrevi tomar partido.

Para entender o conflito israelo-palestiniano é preciso entender a actual Ordem Internacional e a arquitectura de pilares em que ela assenta. O conflito israelo-palestiniano não vai terminar enquanto se mantiver esta Ordem Internacional e o actual Status Quo no relacionamento entre Estados. Existem os poderosos e … os outros. De entre os outros, os que têm um lugar na segunda fila e ainda os que tentam obter algumas das migalhas que vão caindo da grande mesa dos negócios. A alguns tudo é permitido e as retaliações não passam da retórica, ainda assim muito cuidadosa e sempre parcimoniosa; a outros nada é permitido e as sanções saltam da cartola à primeira “escorregadela”. Uns podem matar com recurso a altas tecnologias em que nem sujam as mãos; outros são apelidados de terroristas com toda a facilidade, só porque lutam por uma causa em que acreditam com meios rudimentares ou muito longe das altas tecnologias dos inimigos. É a realidade.

Quem, ainda, manda no Mundo, são os Estados Unidos da América. Depois, quem é seu aliado, beneficia da sua “protecção” embora também tenha que, por vezes, arcar com as consequências e, outras vezes, pagar tributo. Mas a Rússia espreita; a China também (e de que maneira…); a Índia promete e… a União Europeia não existe. Já agora: cabe na cabeça de alguém que defenda uma Europa unida entregar a pasta da representação externa a uma britânica (Catherine Ashton)? É que o Reino Unido nem sequer está com os dois pés na União Europeia…! Qual é a política externa que a senhora Ashton verdadeiramente serve? A da União Europeia ou a do Reino Unido? Já repararam como David Cameron se empertigou a pedir sanções contra a Rússia por causa do  caso do avião da Malásia Airlines? Era bom não era Senhor Cameron deixar a Alemanha à rasca (por causa do gás russo) com muitas e fortes sanções da União Europeia contra a Rússia?

Podemos também referir o Iraque como exemplo acabado de mais um parto manhoso da actual Ordem Internacional. Este seria o momento para que George W. Bush, José Maria Aznar, Tony Blair e Durão Barroso, e já agora Paul Bremer, fossem chamados para dizerem como se resolve o imbróglio
É assim que estamos. É esta a actual Ordem Internacional. E é por isso que a expressão “comunidade internacional” devia ser banida, se não do discurso político pelo menos da narrativa jornalística uma vez que de objectivo comuns este mundo não tem nada. E se não há objectivos comuns não é legítimo falar de comunidade.

Esta parte do mundo em que vivemos ameaçava algum progresso e evolução até ao dia em que a dupla Teatcher/Reagan tomaram chá e trocaram olhares. É essa a origem do mal dos nossos tempos, nesta nossa parte do mundo, sendo certo que outro mal existiria se alguém tivesse envenenado o chá destes dois.

O que está a acontecer na Faixa de Gaza não devia poder acontecer se existisse, de facto, uma comunidade internacional. Tudo vai terminar com apoios e cheques aos mais atingidos. Cheques que tentam lavar a má consciência.

josé manuel rosendo

22 de Julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sim, Camaradas, tenho que vos dizer isto

Não sou daqueles que não leva desaforo para casa. Às vezes levo. Mas sei que, mastigado o assunto, a ele terei de voltar. Acabei de assinar a petição pública “Pela liberdade e pela democracia” por causa dos despedimentos na Controlinveste. Assinei porque concordo com o que lá está escrito, porque sei que o jornalismo, a liberdade e a democracia, ficam mais fracos com o emagrecimento das redacções. Todas as redacções. Assinei por solidariedade. Mas sendo eu um jornalista do chamado “Serviço Público”, achei por bem dizer-vos isto.

A coberto da defesa da liberdade de imprensa e de informação, em defesa da iniciativa privada, estigmatizou-se o serviço público. Feito o caminho, chegamos ao momento em que essa tese pariu uma “liberdade de imprensa” refém dos grupos económicos proprietários das empresas jornalísticas (ou de comunicação social – convinha por vezes definir fronteiras) com interesses tantas vezes opostos à Liberdade, à Informação e ao Serviço Público (porque todo o jornalismo íntegro é serviço público).

Aqueles que diziam que o serviço público era o serviço oficial dos governo, acrescentando que o jornalismo não era isso, esquecem-se hoje de olhar para dentro, para alguns espaços de antena (peças/reportagens/…) e páginas de jornais que mais parecem novelas ou promoções de supermercado. Não conseguem olhar para dentro e dizer: isto não é jornalismo. Ou se e quando olham, lá esgrimem aquele argumento, muito a custo mas ainda assim tão demagógico do “ou é assim e temos audiências (publicidade/dinheiro) ou perdes o emprego. O que é que preferes?”.

As redacções do Serviço Público têm vindo a “emagrecer”. Gostava de ver esta questão abordada com outra frequência na chamada comunicação social livre. Gostava que fosse possível aos leitores/ouvintes/telespectadores da chamada comunicação social livre terem a noção da importância do problema de um Serviço Público enfraquecido. Mas não vejo.

Conheço jornalistas que chegaram a pedir-me o telefone (do serviço público...) dizendo que o telefone “é nosso… não é o Estado que paga?”. Assim mesmo. Eu sei que os jornalistas, entre eles, muitas vezes, resolvem os problemas e esquecem as rivalidades das empresas – e os patrões não precisam de saber e em muitos casos nem sonham. Emprestei sempre o telefone, até o particular, porque é assim que deve ser. Tal como hoje assino esta petição. Porque é assim que deve ser.

Conheço jornalistas que “ganhavam vida” a cada pedaço de serviço público que era destruído, pensando que era mais um pedaço que lhes podia ser útil (fosse audiências, fosse fatia de publicidade).

Conheço jornalistas que disseram cobras e lagartos do serviço público, mas só até ao momento em que nele foram acolhidos para trabalhar…

Não me peçam nomes. Recorram à memória e provavelmente encontrarão alguns.

Eu sei que esta carapuça não entra na cabeça de toda a gente e sei que alguns, muitos, não vão sentir-se minimamente atingidos, e ainda bem, mas se não vos dissesse isto não havia rennie que me valesse.


josé manuel rosendo

terça-feira, 17 de junho de 2014

Jornalistas despedidos, Democracia enfraquecida

A propósito dos despedimentos no DN, JN, O Jogo e TSF, atrevo-me a recordar o Manifesto tornado público há quase dois anos. Desde então, infelizmente, a única mudança foi para pior. E esta é uma guerra que não se pode travar apenas nas redacções. Por muito que os jornalistas se mobilizam - e acho que o devemos fazer - a sociedade terá que se mobilizar para defender um dos principais pilares da Democracia: a Informação. E pelo caminho que tem vindo a ser seguido, esta luta não se vence apenas com comunicados, manifestos ou protestos mais ou menos simbólicos. Somos gente civilizada, é certo, mas se esta Democracia desvirtuada não é sensível a algo tão necessário como o reforço desse pilar que devia ser visto como um dos seus genes imprescindíveis, então é preciso algo mais. Assim os jornalistas a isso estejam dispostos e a sociedade seja solidária.

Republico o texto de Outubro de 2012. Às assinaturas que dele constam muitas outras se juntaram.

Pelo jornalismo, pela democracia

A crise que abala a maioria dos órgãos de informação em Portugal pode parecer aos mais desprevenidos uma mera questão laboral ou mesmo empresarial. Trata-se, contudo, de um problema mais largo e mais profundo, e que, ao afectar um sector estratégico, se reflecte de forma negativa e preocupante na organização da sociedade democrática.
O jornalismo não se resume à produção de notícias e muito menos à reprodução de informações que chegam à redacção. Assenta na verificação e na validação da informação, na atribuição de relevância às fontes e acontecimentos, na fiscalização dos diferentes poderes e na oferta de uma pluralidade de olhares e de pontos de vista que dêem aos cidadãos um conhecimento informado do que é do interesse público, estimulem o debate e o confronto de ideias e permitam a multiplicidade de escolhas que caracteriza as democracias. O exercício destas funções centrais exige competências, recursos, tempo e condições de independência e de autonomia dos jornalistas. E não se pode fazer sem jornalistas ou com redacções reduzidas à sua ínfima expressão.

As lutas a que assistimos num sector afectado por despedimentos colectivos, cortes nos orçamentos de funcionamento e precarização profissional extravasa, pois, fronteiras corporativas.

Sendo global, a crise do sector exige um empenhamento de todos – empresários, profissionais, Estado, cidadãos - na descoberta de soluções.

A redução de efectivos, a precariedade profissional e o desinvestimento nas redacções podem parecer uma solução no curto prazo, mas não vão garantir a sobrevivência das empresas jornalísticas. Conduzem, pelo contrário, a uma perda de rigor, de qualidade e de fiabilidade, que terá como consequência, numa espiral recessiva de cidadania, a desinformação da sociedade, a falta de exigência cívica e um enfraquecimento da democracia.

Porque existe uma componente de serviço público em todo o exercício do jornalismo, privado ou público;
Porque este último, por maioria de razão, não pode ser transformado, como faz a proposta do Governo para o OE de 2013, numa “repartição de activos em função da especialização de diversas áreas de negócios” por parte do “accionista Estado”;
Porque o jornalismo não é apenas mais um serviço entre os muitos que o mercado nos oferece;
Porque o jornalismo é um serviço que está no coração da democracia;
Porque a crise dos média e as medidas erradas e perigosas com que vem sendo combatida ocorrem num tempo de aguda crise nacional, que torna mais imperiosa ainda a função da imprensa;
Porque o jornalismo é um património colectivo;

Os subscritores entendem que a luta das redacções e dos jornalistas, hoje, é uma luta de todos nós, cidadãos.

Por isso nela nos envolvemos.

Por isso manifestamos a nossa solidariedade activa com todos os que, na imprensa escrita e online, na rádio e na televisão, lutando pelo direito à dignidade profissional contra a degradação das condições de trabalho, lutam por um jornalismo independente, plural, exigente e de qualidade, esteio de uma sociedade livre e democrática.

Por isso desafiamos todos os cidadãos a empenhar-se nesta defesa de uma imprensa livre e de qualidade e a colocar os seus esforços e a sua imaginação ao serviço da sua sustentabilidade.


Proponentes:
Adelino Gomes
Alfredo Maia - JN (Presidente do Sindicato de Jornalistas)
Ana Cáceres Monteiro, Media Capital
Alexandre Manuel - Jornalista e Professor Universitário
Ana Goulart - Seara Nova
Ana Romeu - RTP
Ana Sofia Fonseca - Expresso
Ana Tomas Ribeiro - Lusa
Anabela Fino - Avante
António Navarro - Lusa
António Louçã - RTP
Camilo Azevedo - RTP
Carla Baptista - Jornalista e Professor Universitária
Cecília Malheiro - Lusa
Cesário Borga
Cristina Martins - Expresso
Catarina Almeida Pereira - Jornal de Negócios
Cristina Margato - Expresso
Daniel Ricardo – Visão
Diana Ramos - Correio da Manhã
Diana Andringa
Elisabete Miranda – Jornal de Negócios
Frederico Pinheiro - SOL
Fernando Correia - Jornalista e Professor Universitário
Filipe Silveira - SIC
Filipa Subtil - Professora Universitária
Filomena Lança – Jornal de Negócios
Hermínia Saraiva - Diário Económico
Joaquim Fidalgo
Joaquim Furtado
Jorge Araújo - Expresso
José Milhazes - SIC / Lusa (Moscovo)
José Vitor Malheiros
João Carvalho Pina - Kameraphoto
João Paulo Vieira - Visão
João d’Espiney, Público
José Luiz Fernandes - Casa da Imprensa
José Manuel Rosendo – Antena 1
José Rebelo - Professor e ex-jornalista
Luis Andrade Sá - Lusa (Delegação de Moçambique)
Luis Reis Ribeiro - I
Liliana Pacheco - Jornalista (investigadora)
Luciana Liederfard - Expresso
Luísa Meireles - Expresso
Maria de Deus Rodrigues - Lusa
Maria Flor Pedroso - RDP
Maria Júlia Fernandes - RTP
Martins Morim - A Bola
Manuel Esteves - Jornal de Negócios
Manuel Menezes - RTP
Margarida Metelo - RTP
Margarida Pinto - Lusa
Mário Nicolau – Revista C
Miguel Marujo- DN
Miguel Sousa Pinto - Lusa
Mónica Santos - O Jogo
Nuno Pêgas – Lusa
Nuno Aguiar – Jornal de Negócios
Nuno Martins - Lusa
Oscar Mascarenhas - DN
Patrícia Fonseca - Visão
Paulo Pena - Visão
Pedro Rosa Mendes
Pedro Caldeira Rodrigues - Lusa
Pedro Sousa Pereira - Lusa
Pedro Manuel Coutinho Diniz - Professor Universitário
Pedro Pinheiro - TSF
Raquel Martins - Publico
Rui Cardoso Martins
Ricardo Alexandre – Antena 1
Rosária Rato - Lusa
Rui Peres Jorge – Jornal de Negócios
Rui Nunes - Lusa
Sandra Monteiro - Le Monde Diplomatique
Sofia Branco - Lusa
Susana Barros - RDP
Susana Venceslau - Lusa
Tomas Quental – Lusa
Tiago Dias - Lusa
Tiago Petinga -Lusa
Vitor Costa – Lusa


Este é apenas o primeiro passo duma iniciativa que pretende ser mais ampla.
Nos próximos dias todos os jornalistas, bem como todos os cidadãos vão ser convidados a assinar e a participar.


Pelo jornalismo, Pela democracia

quinta-feira, 12 de junho de 2014

gente que deita Gente fora. Chamam-lhe despedimentos.

Por todas as razões e mais uma andei todo o dia a remoer e não consegui ir para a cama sem dizer alguma coisa. Não é obrigação, é alma. 

Depois de uma manhã ocupada que exigia telemóvel no silêncio, descubro duas mensagens: a primeira "começaram a despedir; a segunda, 45 minutos depois, "fui despedida". A notícia: são 160 que a Controlinveste deita fora. Sim, porque comunicados de baixa qualidade não conseguem esconder a realidade: é deitar fora que se deve dizer! Pessoas deitadas fora. 

Entre os deitados fora há 65 jornalistas. Eu não sei se alguns gestores sabem, mas, pelo menos para mim, e conheço muitos que também assim sentem, este é um ofício em que não se consegue estar sem que se goste muito. Sei que é diferente com os gestores: tanto faz que a empresa seja de melancias ou de automóveis; de cervejas ou de novas tecnologias. Só querem saber quanto recebem ao fim do mês e se der merda tanto melhor porque devem sair com o bolso cheio. Parece mal deitar um gestor fora.

Quem gosta de ser jornalista não vive sem isto. Precisamos das "zaragatas" de redacção, dos almoços e jantares prolongados onde só se fala de trabalho, da má-língua, da rua onde estão as entrevistas e a reportagem, do estúdio, da ansiedade antes de abrir o microfone, da escrita apressada que conta a história, até da asneira, do erro, de todos os dias ouvir notícias e ler jornais. Quem gosta de ser jornalista não precisa que lhe digam para "vestir a camisola" porque sempre a vestiu e quem já tem uns anos disto sabe que muitos dos que pedem para vestirmos a camisola são muitas vezes os primeiros a vestir outra camisola logo que surja um clube que paga mais. Não me peçam para vestir camisolas porque nunca andei de tronco nu.

Os jornalistas e outros camaradas dos OCS que são deitados fora assim, porque há investidores (???) que querem fazer mais com menos, são os menos culpados da desorientação e da má gestão que matou alguns OCS. Mas são eles os primeiros a pagar a factura. 

Tudo isto para deixar um abraço, um grande abraço de solidariedade - que mais posso eu fazer? -  aos camaradas da TSF, DN, JN e O Jogo, num momento em que ficaram com a vida de pernas para o ar e foram forçados a despir a camisola. Nem quero imaginar como cada um deles olhou para a redacção a pensar que estão contados os dias para que ali não voltem a entrar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Estamos a ser roubados...

Certeiro e contundente. Como é que eu tinha passado "ao lado" deste texto e só o descobri quase seis meses depois? Obrigado, José Gil.


O ROUBO DO PRESENTE - José Gil

“Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova ditadura - não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe de estado e terá um só partido e um só governo - ditadura psicológica.

Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.

O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu. O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho. O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress, depressões, patologias, border-line, enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens)

O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direcções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público. Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais.

O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efectiva não chega para retecer o laço social perdido. 

O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil. Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espectral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.

Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português.


Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso poder de acção. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país."