quarta-feira, 29 de junho de 2016

Quem põe ordem nesta Europa?

Este cartoon foi publicado em http://jornalggn.com.br 

Quem põe ordem nesta Europa? Esta é a pergunta perigosa que nos arriscamos a que alguém faça se a Europa não mudar de rumo. E não há mudança que se vislumbre, pelo menos se continuarem as actuais lideranças (diga-se, herdeiras de outras muito semelhantes). Responder à pergunta feita em título, arrasta perigos que é desnecessário lembrar.

Os homens e mulheres que têm mandado – é esta a expressão “têm mandado” – na União Europeia não têm desculpa. Fizeram de tudo para construir instituições com a maior fragilidade que é possível ter em democracia: falta de uma base popular de apoio. E não têm essa base de apoio, em primeiro lugar porque nunca a quiseram - eles mandam e portanto decidem – e em segundo lugar porque nunca perguntaram ao povo o que o povo pensa.

A União Europeia foi construída na base da cedência de soberania. Uma cedência dos Estados em nome de um bloco de países supostamente unidos, tendo como objectivo manter a paz na Europa e desenvolver as economias para construir um espaço em que os Direitos Humanos fossem o principal farol. Acontece que a soberania é algo de que o povo de cada país é o único titular e a cedência de soberania devia ter sido referendada ou, pelo menos, o povo devia ter sido consultado de alguma forma muito directa sobre essa questão. Não o foi em Portugal nem na maioria dos países da União Europeia. Não é por acaso que a Constituição da República nos diz que “A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição”. Eu sei que vão dizer, alguns, que o povo elege representantes e que as decisões desses representantes são absolutamente legais e legítimas. Discordo!

Por outro lado, a União Europeia cresceu de forma descontrolada e nem sempre pelas melhores razões, ou pelas mais nobres. Sabemos como Portugal, pós-PREC, se atirou para os braços da CEE, não precavendo nada daquilo de que hoje nos queixamos (pescas, indústria, etc..) porque era preciso afastar de vez o “perigo comunista”; sabemos como aderimos a uma moeda (Euro) que mais não foi do que o Marco alemão; sabemos que aceitámos limites ao défice (3%) que era precisamente o da Alemanha; sabemos como o alargamento a Leste, em muitos casos, apenas pretendeu afastar alguns países da esfera da Rússia após a queda da União Soviética. E sabemos, recentemente, como alguns países foram hostilizados por uma elite de eurocratas, revelando um total desprezo pelos povos.

O Brexit, para o bem e para o mal, foi uma pedrada no charco. A estratégia dos bem-instalados nesta União Europeia está já muito clara: tentam colocar no mesmo barco uma extrema-direita nacionalista de contornos fascistas e todos aqueles que têm criticado as políticas europeias por elas atenderem mais à finança do que ao povo e por estarem a desvirtuar os princípios declarados que estiveram na origem da actual União Europeia. Estão a tentar estabelecer essa confusão e receio que sejam bem-sucedidos. Agitar o medo é sempre uma arma poderosa.

Logo que foi conhecido o resultado do referendo no Reino Unido, os principais líderes europeus apressaram-se a confirmar que o povo tem razão e que esta União Europeia de pouco ou nada nos serve.
Os “fundadores” da União Europeia rapidamente marcaram encontro e a Chanceler alemã, Angela Merkel, rapidamente "convidou" François Hollande e Matteo Renzi para um encontro. Onde? Em Berlim! E é exactamente este tipo de atitudes que revelam uma União Europeia que não é a União Europeia da democracia, de uma União entre iguais, de uma União solidária, de uma união dos povos e das regiões. É uma União Europeia de um directório e não de 27 ou 28. É uma União Europeia em que uns mandam e outros obedecem.

Outro sinal evidente da aparente falta de berço democrático de alguns dirigentes europeus foi a reacção de Jean Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Dirigiu-se ao povo do Reino Unido, qual marido despeitado a quem a mulher acaba de pedir o divórcio: se te queres ir embora, vai e depressa.
Esta segunda-feira, no Parlamento Europeu (é ver a troca de acusações numa qualquer tv) estalou o verniz que ainda resistia e assistiu-se a uma absoluta falta de decência. Houve quem lembrasse aos britânicos que a União Europeia lhes paga os ordenados há muitos anos e que já ali não deviam estar; do lado oposto, houve alguém que retorquiu: “riram-se quando vim aqui falar do referendo, mas agora já não estão a rir”: É assim que estamos. José Manuel Pureza está carregado de razão quando diz que esta União Europeia alimenta "a besta da extrema-direita".

O mais dramático é que, alimentar a esperança de que o resultado do referendo no Reino Unido conduza a um repensar da União Europeia e a um mudança de rumo, é pura ingenuidade ou então é uma grande hipocrisia de quem utiliza o argumento apenas porque quer que tudo continue exactamente como está. O salto em frente vai ser o federalismo. Novo erro. O que a União Europeia precisa é de países mais livres.

josé manuel rosendo

28 de Junho de 2016

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Reino Unido - Plano B (não é de Brexit)

(A ilustração é de Arend van Dam e foi publicada em www.voxeurop.eu a partir de um artigo do Le Fígaro)

Referendo no Reino Unido a 23 de Junho. David Cameron tem os calos apertados. O primeiro-ministro britânico calçou uma bota que nunca pensou lhe viesse a dificultar tanto a caminhada. Em plena campanha eleitoral na Primavera de 2015, Cameron decidiu calar a oposição interna, principalmente os eurocépticos, prometendo um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Logo depois de eleito, com uma maioria absoluta do Partido Conservador, David Cameron apressou-se a dizer que a promessa era para cumprir. Honra lhe seja feita, porque cumprir o prometido é coisa cada vez mais rara nos tempos que correm. 

Até em Portugal, tivemos um Primeiro-ministro que prometeu um referendo ao então Tratado Constitucional da União Europeia. Sucede que França e Holanda anteciparam-se rejeitando o Tratado através de referendos. O Tratado Constitucional passou então a Tratado de Lisboa. O Primeiro-ministro passou então a defender que ninguém deveria coloccar em causa a legitimidade do Parlamento para ratificar o Tratado. Estava em causa a palavra de um Primeiro-ministro mas o referendo foi mandado às urtigas. Porreiro, pá! Os portugueses continuaram numa União em que ninguém lhes pergunta rigorosamente nada.

No Reino Unido, ao que parece, ainda há quem tenha vergonha de dar a palavra num compromisso e depos fazer três piruetas para mudar de rumo. É a vida. E o referendo vai mesmo realizar-se. 

Independentemente do resultado - quer o Reino Unido fique ou não na União Europeia - pode ser (deveria ser...) uma oportunidade para repensar a União Europeia. O beco a que chegou é fruto de políticas erradas e mais becos estão à vista se não arrepiar caminho. As crises nos 28 são um sintoma óbvio da doença. O problema é que aqueles que conduziram a Europa por este caminho defendem precisamente este caminho. Pensar que as crises lhes vão ensinar alguma coisa é pura ilusão. A União Europeia tem sido construída sem uma base popular de apoio e essa é a sua maior fragilidade. 

Assim sendo, não supreenderia que, perante as sondagens a darem uma maioria favorável à saída do Reino Unido da União Europeia, já esteja a ser pensada uma repetição do referendo. A estratégia não seria novidade. Em 1992, os dinamarqueses disseram Não ao Tratado de Maastricht - um ano depois o referendo foi repetido e os dinamarqueses disseram Sim; a Irlanda do Norte disse Não em 2001 - em 2002 o referendo foi repetido e venceu o Sim; em todos os países em que houve referendos sobre questões europeias, desde que foi dito o Sim, nenhum referendo foi repetido. Nos casos em os eleitores disseram Não e em que não houve repetição foi porque houve alteração da designação do objecto do referendo (a "constituição europeia" passou a designar-se Trado de Lisboa) e foram criados argumentos para dispensar o referendo.

Não vale a pena antecipar resultados. Os eleitores do Reino Unido vão decidir, mas o pânico que está instalado já deve ter dado origem a um plano B que tente manter Londres e associados na esfera de Bruxelas. Não seria uma supresa que no day after a um eventual Não dos britânicos, acordássemos com as bolsas em queda, com os mercados nervosos, com os investidores a fugirem, com as taxas de juro em alta, com o Euro e a Libra a caírem, com a perspectiva de desemprego a subir, etc, etc.. O papão do costume para assustar o povo. As televisões podem compor o ramalhete com imenso gráficos a ilustrarem o desastre em que se vai transformar a nossa vida se a União ficar reduzida a 27. Depois de umas semanas com este tipo de tratamento poderá então ser anunciado um segundo referendo para o Reino Unido se redimir e no qual os eleitores vão mostrar o arrependimento devido. 

Claro que isto é apenas a teoria da conspiração...

Pinhal Novo, 17 de Junho de 2016
josé manuel rosendo

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Não encontrei título para isto…

(Nota prévia: andei à procura de uma fotografia pata ilustrar o texto mas não encontrei)

Hoje, quarta-feira, 15 de Junho de 2016, a rádio pública deixa sair o jornalista Carlos Ramos. Sai porque está saturado, farto, mas a ele caberá, se assim quiser, explicar os motivos da saída.
A mim, cabe-me dizer-lhe obrigado. Temos, cada um, mais ou menos 23 anos de rádio pública. Sempre com um discurso que foge à norma, sempre a pensar o serviço público, sempre com ideias. Ai os bandidos, que andam sempre a dizer mal e prejudicam o sossego da capela.

O Carlos Ramos era uma voz dos noticiários da Antena 3, a sua antena de sempre. Aliás, fizemos parte da equipa de jornalistas que fazia os noticiários da então RDP FM que, depois de um período experimental em 1993, iniciou as emissões regulares no início de 1994 (não me recordo da data exacta). E, já agora, a Antena 3 chamava-se RDP FM porque houve por essa altura uns iluminados que decidiram alterar o nome das várias antenas: a Antena 1 passou a RDP 1 e a nova rádio chamou-se, dentro desta lógica, RDP FM. Felizmente que durou pouco tempo.

Durante 23 anos, eu e o Carlos divergimos muito, mas construímos uma amizade. Discutimos muito, mas convergíamos no objectivo final. Quisemos a utopia para termos a melhor rádio possível.

Passaram muitas administrações e directores disto e daquilo. A rádio pública casou à força com a televisão pública. Assistimos a agressões violentas ao serviço público. Muitos dias, nestes 23 anos, ficámos tristes com as notícias sobre a nossa casa. Muitas vezes sem ninguém a sair a terreiro para defender o serviço público.
O Carlos Ramos defendia o serviço público de rádio (e acho que vai continuar a defender) e quando assim é quem mais perde não é o Carlos, é a rádio de serviço público. Não seria a primeira vez que alguém sai do serviço público para logo a seguir revelar os méritos num qualquer outro sítio. Há sítios onde ninguém esfrega a lamparina e o génio não consegue sair.

Aborrecem-me as redacções silenciosas. Gosto de gargalhadas e “bocas venenosas”. Gosto de “bocas” que agitam. Assustam-me as almas demasiado certinhas e seguidistas. Muitas vezes são almas penadas e mal-intencionadas. Calam-se para não sabermos o que pensam. Não contribuem, não partilham, não criam. O Carlos gostava de rir, gostava de "bocas", e no meio de tudo isto surgia o ângulo, a abordagem em que ninguém ainda tinha pensado. As nossas conversas eram sempre sobre o trabalho e sobre o jornalismo. Ah... e fumava... e gostava de café.

A rádio pública deixa o Carlos Ramos sair “de mansinho”, mas o Carlos não merece. O Carlos merecia uma palavra por 23 anos de trabalho. Assim deveria ser, mas (parece que) não é. Ainda faltam umas horas.

Se, como escreveu Kapuscinski, “os cínicos não servem para este ofício”, não entendo por que é que a rádio pública deixa sair Carlos Ramos.

Pinhal Novo, 15 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Fujam que é legal…



É tudo legal. Oiço esta frase e a primeira reacção é a de fugir, ficar longe de quem a diz. Há uma nuance que consiste em dizer: não é ilegal! Assim como que a admitir que há um buraquinho na Lei, uma omissão. Mas há ainda outra que me dá vontade de fugir: quando oiço alguém dizer que não há incompatibilidade. Num e noutro caso, há marosca, pela certa.

Os offshores são legais; os milhões de euros em prémios pagos a administradores de bancos falidos são legais; as PPP’s são legais; as reformas douradas são legais; a deslocalização de sede de empresas é legal; o corte de salários e pensões é legal; aumentar o salário dos gestores da Caixa Geral de Depósitos passou a ser legal. Admito que seja tudo legal, mas quem é que não fica admirado com estas leis?

Paulo Portas vai trabalhar com a Mota-Engil e não há incompatibilidades; o ex-Ministro das Finanças Vítor Gaspar foi trabalhar com o FMI e não há incompatibilidade; a ex-Ministra das Finanças foi trabalhar com a financeira Arrow, continua deputada, e não há incompatibilidade. Não vale a pena continuar a listar os casos. Admito que não haja incompatibilidade. Mas quem é que não torce o nariz?

Houve um tempo em que associávamos a justiça ao direito e à Lei. Pensávamos que a Lei significava justiça naquele sentido amplo da palavra. Pensávamos que cumprir a Lei era fazer o que está certo e é melhor para a comunidade, de modo a que cada um tivesse o que lhe é devido (segundo um velho conceito romano). Isso seria justo. Afinal não é assim.

Demorámos a perceber que justiça e direito (o conjunto das normas que regulam a nossa vida) são coisas diferentes. Entre a justiça e o direito há um fosso. As conveniências particulares de quem controla o sistema tornaram-se legais. A promiscuidade tornou-se legal. A justiça, nesse conceito amplo da palavra, é uma miragem.

Desde logo a Lei devia ser algo simples. E não venham dizer que a Lei é complexa na directa medida em que a vida e a realidade são complexas. Não é por isso. Já todos percebemos que é bom para determinados interesses que a Lei seja complexa. Quanto mais complexa mais difícil o nosso entendimento. Ganham os iluminados que fazem a Lei a seu bel-prazer deixando abertos os alçapões por onde entram os interesses assim legalizados e nunca incompatíveis.

Há ainda aquele argumento de que temos um Estado de Direito Democrático. É verdade, embora apenas na forma. E aqui chegado não sinto vontade de fugir, mas sinto uma enorme tristeza de que a Democracia seja associada a este estado das coisas. Não devia ser assim.

Pinhal Novo, 8 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Porquê Faluja, e não Mossul ou Raqqa?


Já alguém escreveu que o controlo de Faluja é fácil de perder mas muito difícil de recuperar. É uma leitura acertada da história recente desta cidade estratégica da província de Al Anbar. Desde logo uma outra nota: os invasores de 2003 só muito tarde percebram a importância desta enorme província, de maioria sunita, que tem “só” três fronteiras internacionais: Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Demorou bastante até que o General norte-americano David Petraeus (que chegou em 2012 a Director da CIA) desenvolvesse a estratégia de aproximação às tribos sunitas, marginalizadas após a invasão, para tirar o tapete à Al Qaeda no Iraque. Estratégia feita com malas cheias de dinheiro e promessas de integração, não cumpridas, aos sunitas.

A cidade conhece o cheiro da guerra como nenhuma outra no Iraque. Há regiões do mundo relativamente às quais se diz que quem domina a capital de um país domina esse país. Em relação a Faluja não se pode dizer o mesmo, mas estando a cidade a pouco mais de meia-centena de quilómetros de Bagdad e sendo um símbolo da resistência sunita aos invasores e ao poder do Governo (xiita) iraquiano, dominar Faluja é meio-caminho andado e é um sinal de que a resistência está controlada.

O único sinal de concertação dos que combatem a organização Estado Islâmico – mesmo tendo diferentes interesses e perseguindo diferentes objectivos estratégicos – é que houve muita propaganda em relação a alegados ataques iminentes a Mossul e Raqqa. Houve até notícia em Raqqa de lançamento de panfletos convidando a população a abandonar a cidade antes da batalha. Há manobras e combates nos arredores longínquos das duas cidades referidas, mas onde a tentativa de reconquista está mesmo a acontecer é em Faluja. Porquê? Porque para o Governo de Bagdad essa é uma batalha decisiva. De que adianta tentar reconquistar Mossul se não for possível conquistar uma cidade a meia-centena de quilómetros de Bagdad? De que adianta conquistar Mossul se a oposição xiita (de Moqtada al Sadr) que exige reformas contra a corrupção e remodelação governamental não for calada com uma vitória contra os sunitas da organização Estado Islâmico. O Governo de Haider al Abadi (exilado até 2003 no Reino Unido e posteriormente regressado ao Iraque, esteve sempre na esfera do poder, tendo sido ministro, e agora primeiro-ministro) precisa desesperadamente de uma vitória na batalha de Faluja para se poder afirmar internamente. É quase impossível que não a consiga mas falta saber a que preço. Esse preço pode transformar uma vitória numa derrota e se assim for tudo ficará mais complicado quando se tratar de tentar a reconquista de Mossul. Raqqa é outra conversa e é mais complicado.

Em Faluja, que se saiba, não há jornalistas. A propaganda das duas partes faz circular informação contraditória. Há notícias de forte resistência da organização Estado Islâmico (e o recurso a ataques aéreos podem ser um sinal dessa resistência e da incapacidade das tropas iraquianas avançarem) e há notícias de fuga dos combatentes da organização Estado Islâmico; há notícia de avanços das forças governamentais mas também há notícias de elevadas baixas entre as tropas de Bagdad. Atacantes e defensores trocam acusações sobre a utilização de habitantes como escudos humanos. As Nações Unidas referem cerca de 50 mil civis em Faluja mas só quando a batalha terminar irá ser possível avaliar o preço desta batalha de Faluja. É isto o que se sabe e porque se sabe pouco as notícias de Faluja desapareceram dos alinhamentos noticiosos.

Pinhal Novo, 3 de Junho de 2016

josé manuel rosendo