segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Guerra do petróleo na Líbia: quem vende e quem compra?


                                    O mapa dos oleodutos e gasodutos é da insuspeita Stratfor 
                                    (empresa norte-americana frequentemente referida como 
                                     uma espécie de CIA privada que recolhe informação de 
                                      relevância geopolítica).

A Líbia não conseguiu fugir à chamada “maldição dos recursos”. Tem petróleo, e ter petróleo, em África (mas não só), paradoxalmente, tem sido sinónimo de guerra. Na Líbia, os frutos da chamada Primavera Árabe revelaram-se venenosos. Enquanto vão falhando as sucessivas tentativas de reconciliação, a Líbia vive mergulhada numa guerra que já transformou o país num Estado falhado onde existem dois governos, dois parlamentos, um vasto conjunto de grupos armados entre os quais se atravessa o Estado Islâmico, sendo também o país preferido para os africanos que querem chegar à Europa e arriscam uma travessia do Mediterrâneo. Perante este cenário, o que tem feito a chamada comunidade internacional? Bem… as Nações Unidas tentam a reconciliação nacional através de uma divisão dos benefícios do petróleo entre as várias facções combatentes. Até agora não resultou.

Aparentemente sem qualquer sentido de Estado, os dois governos apenas tentam manter o pouco poder que têm vendendo o petróleo produzido nas áreas que cada um deles controla (em Tobruk, o governo reconhecido internacionalmente; em Tripoli o outro governo). Ainda assim, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Tobruk advertiu recentemente para o perigo de a Líbia vir a tornar-se no novo santuário do Estado islâmico. Ajdabya, local de intensos combates quando Kadhafi ainda era vivo, é apontada como possível nova capital do estado islâmico. O Ministro líbio disse que não é possível pensar numa reconciliação nacional sem antes passar à acção militar. O aviso está feito: o Estado Islâmico está a ganhar força e a ligação ao Boko Haram, na Nigéria, dá fortes sinais. Entre a Líbia e a Nigéria, na região do Sahel, há apenas dois países: Níger e Chade, ambos mergulhados em conflitos semelhantes, territórios por onde tudo pode passar.

Enquanto este cenário se desenvolve bem à vista de todos a inacção talvez possa ser explicada com o petróleo que vendido através dos portos líbios. Dificilmente estará a sair de outra forma (ver imagem). E também não será difícil saber quem está a comprar. Tal como no Iraque não é difícil seguir a rota dos camiões que contrabandeiam petróleo, na Líbia também não será difícil saber que navios saem dos portos, carregados de crude, e para onde vão. Aliás, neste momento, o Mar Mediterrâneo está mais do que militarizado. O problema é que as grandes empresas ocidentais sempre gostaram de recursos baratos. Segundo dados conhecidos, a Líbia é o país africano com maiores reservas de petróleo – mais de 48 mil milhões de barris em finais de 2014 – e embora tendo a produção afectada pela situação de guerra – produz actualmente cerca de 500 mil barris diários, quando no tempo de Kadhafi produzia o triplo – é ainda um produtor apetecível. Melhor ainda se o contrabando obrigar a reduzir os preços.

Não sou dos que partilham a ideia de que Kadhafi devia ter ficado tranquilo no poder para que a Líbia ficasse em sossego, nem sou dos que partilham a ideia de que as forças de Kadhafi não deviam ter sido atacadas quando já estavam às portas de Benghazi. De facto, os líbios tinham todo o direito de quererem ver-se livres de um ditador macabro (uma visita às prisões do regime seria bom para aqueles que ainda ousam defendê-lo) e quando dizem que os países ocidentais não deviam ter interferido na “primavera líbia”, talvez tenham alguma razão, mas não têm a razão toda. Devem recordar-se das imagens de um Kadhafi possesso de ódio contra os rebeldes a prometer um “zenga zenga” (uma caça casa a casa, rua a rua…) e esteve quase a consegui-lo. O tanque que liderava a coluna que queria reconquistar Benghazi ficou a dois ou três quilómetros da entrada da cidade, se não estou em erro em Março de 2011. Kadhafi tinha prometido amnistia para quem se rendesse, mas disse que não haveria compaixão nem misericórdia para quem ousasse lutar. Se as forças de Kadhafi tivessem entrado ninguém duvida do massacre que se teria seguido.

Enquanto todas as atenções estão centradas no Iraque e na Síria, não é difícil imaginar as negociatas feitas com o petróleo da Líbia. Evidentemente que alguém na Líbia está a ganhar muito dinheiro, mas não é menos certo que alguém fora da Líbia está igualmente a ganhar muito dinheiro. E se, em relação aos líbios, o preconceito habitual faz com que se olhe para eles como “os bandidos do costume” (assim do tipo aquela gente que anda sempre aos tiros…), em relação ao mundo (dos negócios) de gente que não dá um tiro e surge sempre bem engravatada, seria bom sabermos quem são.

Pinhal Novo, 14 de Dezembro de 2015

josé manuel rosendo

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